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INOVAÇÃO

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Entre erros e acertos

Soluções inovadoras só acontecem com o compartilhamento de problemas

e criação de um ambiente propício para a circulação de novas ideias

Por Rosiane Moro

Fracassos nunca foram bem-vistos em nossa sociedade. Desde cedo aprendemos que errar é um grande defeito. Da bronca pelo leite derramado na toalha às notas baixas nas provas, vamos incorporando desde a mais tenra infância que não podemos falhar e, caso isso ocorra, recebemos alguma punição, seja o castigo dos pais ou a reprovação na escola. O mesmo comportamento se repete ao longo da vida. Desde o bullying dos amigos que não perdoam qualquer deslize na adolescência até o ambiente de trabalho, que pune colaboradores com demissão e descontos do prejuízo na folha de pagamento quando agem fora do que os gestores consideram como as regras da organização.

De acordo com Marília Cardoso, consultora de inovação e gestão da Palas, é difícil quebrar as barreiras impostas por esses padrões sociais. “O próprio processo de educação é equivocado. Vivemos num mundo complexo, múltiplo e a educação nos faz pensar de forma binária: o certo e o errado e isso não existe no mundo real.” Como exemplo, cita o polêmico processo do vestibular e as avaliações nos cursos universitários, a porta de entrada para o mercado de trabalho. “É ilógico porque, quando você vira um profissional, não existem no dia a dia quatro alternativas para você escolher a correta.”

É algo culturalmente tão enraizado que até as empresas costumam seguir o modelo escolar, com adoção de inúmeras regras e padrões sociais, algo que a consultora batizou como Síndrome de Gabriela, em homenagem ao tema musical da famosa personagem de novela da década de 70 que dizia “eu nasci assim, eu cresci assim, eu vivi assim, eu sou mesmo assim, vou ser sempre assim”.

“Quatro décadas depois, ainda tem gente achando que é melhor deixar tudo como está”, critica Marília. Por outro lado, a consultora acredita existir um grande grupo de profissionais dispostos a experimentar coisas novas, mas falta nas empresas um ambiente favorável para a geração de boas ideias. “Por mais antagônicos que os dois grupos sejam, existe um sentimento preponderante em ambos: o medo de errar”, analisa a consultora.

Quebrar esse paradigma e aceitar que derrotas, perdas e fracassos fazem parte da vida é algo a ser cultivado dentro das organizações de forma gradual, a médio e longo prazo, mas que já pode ser considerado o primeiro passo a caminho de uma gestão voltada para a inovação. Já o segundo passo é compreender que esse processo vem acompanhado de mais duas vertentes: capacidade de correr riscos e implantação de um ambiente favorável ao erro. Nenhum colaborador vai arriscar sua posição se não tiver segurança psicológica para falar e ser ouvido.

“Ideias nunca podem ser criticadas ou rebatidas. A inovação é um trabalho de construção, que pode levar anos, às vezes décadas. O importante é sair da inércia, afinal o único erro é não fazer nada”, ensina Marilia.

O momento para implantar processos de inovação não poderia ser mais propício, afinal essa é a primeira vez na história que cinco gerações convivem simultaneamente e essa diversidade de talentos e experiências unidas é extremamente fértil para a proliferação de ideias. “Um bom termômetro para saber se está na hora de virar o jogo é analisar há quanto tempo as atividades da sua empresa são executadas do mesmo jeito”, aconselha a consultora.

Esse questionamento não se refere apenas a grandes evoluções como implantar um novo departamento de e-commerce ou abrir uma filial, mas sim nos pequenos detalhes, naquela simples mudança de layout que deixa o fluxo da loja mais agradável, um novo processo de classificação de peças que agiliza a identificação de itens parados no estoque ou a criação de um checklist que facilita o trabalho na oficina.

Incentivo à inovação

Um termo muito ligado à inovação é o famoso “pensar fora caixa”, mas ele só é valorizado quando a ideia dá certo. Para mudar a visão das empresas sobre casos de fracasso e fazê-las compreender que os erros podem servir de aprendizado, o psicólogo sueco Samuel West criou, em 2017, o Museu do Fracasso, com itens lançados por grandes marcas que deram errado. Tem desde uma lasanha de carne da Colgate e Coca-Cola com sabores reprovados pelo mercado até uma linha de canetas Bic com formato mais anatômico para as mulheres.

A consultora Marília Cardoso ainda lembra que erros podem se transformar em grandes acertos ao citar casos como a cola Super Bonder, inicialmente criada para ser uma mira plástica para armas, mas virou uma meleca que grudava em tudo. Ou a batata chips, criada por um chef de Nova York para irritar um cliente que reclamava que as fritas vinham sempre encharcadas de óleo. “Esses grandes exemplos são apenas ilustrativos porque 80% das inovações são pequenas e elas realmente não precisam virar capa de revista, precisam fazer sentido para o negócio ao qual foram criadas, ou seja, da porta para dentro.”

A maioria das boas ideias, inclusive, nasce dentro da empresa e das mãos dos próprios funcionários. Nesse quesito, os líderes têm grande influência ao serem responsáveis por incentivar e cultivar hábitos de inovação nas equipes de trabalho. O gestor serve para estimular o time e até mesmo para analisar se ele é realmente a pessoa mais adequada para gerir o processo de inovação. “Às vezes, aquele funcionário que contagia as pessoas com sua energia é o mais indicado para o processo”, diz a consultora.

Existe, inclusive, uma normatização, a ISO 56002, voltada especificamente para a implantação da inovação em empresas de todos os portes e segmentos. A norma foi criada a partir da compilação das melhores práticas empresariais de inovação de diversos países e está baseada em oito pilares: direção estratégica, abordagem por processos, realização de valor, liderança com foco no futuro, cultura colaborativa, adaptabilidade e resiliência.

“Ter um guia para a inovação parece meio contraditório porque passa a ideia de que vai engessar o processo, burocratizar a inovação, mas a norma estabelece uma governança para a inovação, tornando o processo mais realista para não se perder ao longo do tempo”, explica a consultora.

O processo de certificação, via atestado de conformidade, é simples e pode ser implementado em um único departamento ou na empresa como um todo. Há, inclusive, casos de implementação em várias unidades ao mesmo tempo. Primeiro é realizada uma avaliação para detectar o nível de aderência de uma empresa em relação aos pilares da norma. Depois, inicia-se o processo de implementação, que leva de quatro a seis meses, dependendo do nível de complexidade e da maturidade do negócio em relação ao tema. Quando o sistema de gestão fica pronto, uma certificadora faz a auditoria e, se aprovada, emite o atestado de conformidade da ISO 56002.

Transforme ideia em resultado

Leonardo Nogueira, CEO da Prosperi, consultoria voltada para a implantação de gestão inovadora, explica que a maioria dos obstáculos que atrapalham a inovação dentro das empresas está agrupada em três pilares: estratégicos, culturais e de processo. “Para gerar resultado com inovação, além de promover a diversidade, engajar os colaboradores, disponibilizar recursos e focar no cliente, é fundamental que haja um processo de gestão estabelecido”, afirma.

Para ele, o processo de inovação começa com a geração e captura de ideias. “Se você tiver um caminhão de ideias, a probabilidade de encontrar algumas que sejam boas aumenta na mesma proporção. Por isso, estimule a participação do maior número de pessoas, mas lembre-se que pessoas são movidas a desafios.” Como sugestão, o CEO propõe criar desafios focados na resolução de problemas ou geração de oportunidades; estudar o cliente e o mercado em busca de oportunidades e apresentar novas tecnologias para os colaboradores explorarem possíveis utilizações.

Após a coleta das ideias, Nogueira recomenda avaliar e selecionar as melhores sugestões por meio de um trabalho colaborativo com a equipe a fim de atuarem no desenvolvimento das propostas. Nesse processo é importante estabelecer métricas que permitam à organização mensurar as ideias coletadas. A última fase consiste na etapa de execução da inovação e geração de valor.

“Comunique o valor das inovações para as pessoas que serão impactadas pelos resultados, envolva os responsáveis na execução, garanta os recursos necessários e implemente as ideias”, observa.

Invista em pessoas

O caminho mais curto para chegar à inovação é apostar em pessoas, ou seja, no seu time de colaboradores e nos clientes. Para isso acontecer é preciso eliminar as barreiras de relacionamento e investir na interação, convivência, conversas e estar aberto, inclusive, para ouvir reclamações. “Objetivos e metas precisam ser criados em conjunto com o time, assim como a análise de resultados. Se você quer que as pessoas colaborem e tragam soluções para o seu negócio, elas precisam estar envolvidas em todas as partes do processo”, acredita Ricardo Nacarato, gerente de marketing da Pontomais, empresa de inovação em recursos humanos, que trabalha com foco no RH 4.0.

A metodologia da empresa é automatizar tarefas rotineiras da área da recursos humanos para deixar os profissionais da área focados no que realmente importa: o desenvolvimento de pessoas. “Uma área tão estratégica dentro das empresas não pode mais ficar de fora da mesa de decisões, principalmente porque a inovação só acontece com a participação de pessoas”, destaca Nacarato.

O gerente reforça que ao incluir as pessoas no processo de inovação é importante não deixar o cliente de fora. “Ao solucionar uma dor de um determinado cliente ou simplesmente atender a um desejo ou necessidade dele, você pode criar um novo modelo de trabalho capaz de se transformar no grande diferencial da sua marca.”

Lucros da inovação

Além de melhorar os processos de trabalho, a inovação atua diretamente na lucratividade das empresas. Um bom exemplo é o desempenho obtido pelas empresas participantes do programa Mais Brasil, iniciativa do governo federal em parceria com o Sebrae, o Senai e a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial. Estudo realizado pelo Sebrae, a partir do acompanhamento de quase 5 mil empresas participantes do programa que introduziram inovação e melhorias no processo de gestão, mostrou que, em média, as empresas tiveram um aumento de 52% em produtividade e 18% no faturamento. Além disso, 48% delas conseguiram reduzir as despesas em torno de 36%.

Os resultados ganham maior relevância pelo fato de que a melhoria no desempenho ocorreu entre novembro de 2020 e abril de 2021, período fortemente impactado pela pandemia mundial. Ao mostrar soluções e ferramentas capazes de aumentar a competitividade sem impactar os custos da empresa, o programa cumpre seu objetivo de acabar com a tese de que inovar é apenas para os grandes empresários.

Se a liderança encabeçar e aderir ao processo, as inovações ocorrem de forma bem natural. Basta deixar o medo de lado, estar aberto para correr riscos calculados, propor desafios e abrir espaços para debates, sugestões e conversas saudáveis.

Obstáculos à inovação

Conheça abaixo os limitadores da inovação e procure eliminá-los do processo administrativo.

Barreiras estratégicas: falta de alinhamento entre os objetivos do negócio e os objetivos de inovação; falta de recursos; pouca conectividade entre a estratégia e a execução; baixo patrocínio da alta direção.

Barreiras culturais: aversão a riscos e políticas internas; foco no dia a dia; falta de diversidade; rejeição de ideias vindas de fora.

Barreiras de processo: métricas pouco efetivas para medir inovação; falta de foco no cliente; não ter clareza na definição de responsabilidades e, comumente, a inexistência de processos definidos entre as etapas de capturar a ideia e executá-la.

Gestão: fonte para crescer

Toda empresa busca aprimorar a qualidade, processos e lucratividade. Na Lico Maia Auto Peças, de Diadema, na Grande São Paulo, o caminho escolhido para buscar crescimento e inovação foi investir na gestão de pessoas e nos processos de trabalho. Há quatro anos na empresa, o gerente comercial Matheus de Oliveira Dias está em uma entressafra administrativa ao compartilhar a direção da loja com o pai, Derneval Dias Gonçalves. “A transição é lenta. É preciso respeitar o legado e a cultura já implantada e ao mesmo tempo olhar para o futuro, adaptando as pessoas e os processos à nova realidade do mercado.”

Uma tática é ter o organograma bem definido, com um gestor para cada área, assim os 42 funcionários sabem a quem se dirigir em caso de problemas. O gerente promove reuniões mensais para falar de atitudes comportamentais e alinhar as expectativas. “Os erros são tratados individualmente e sem alardes. Primeiro analisamos as causas e então buscamos uma solução.” Matheus acredita que um grande incentivo para a geração de novas ideias na equipe é ter uma política de promoção interna transparente. “Com isso, conseguimos desenvolver talentos e aplicar o conhecimento e energia dos profissionais no crescimento da empresa.”

Há erros que viram acertos

Erros podem se transformar em grandes acertos, como a cola Super Bonder, inicialmente criada para ser uma mira plástica para armas, mas virou uma meleca que grudava em tudo.

SAIBA MAIS

MARÍLIA CARDOSO (PALAS)

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RICARDO NACARATO (PONTOMAIS)

(41) 3203-9229

www.pontomais.com.br

LEONARDO NOGUEIRA (PROSPERI)

(11) 4420-9600

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