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A hora e a vez das mulheres no setor automotivo

Escrito por admin -

Adeus, força bruta!

De olho em bons negócios – como as oficinas mecânicas –, as mulheres vão ganhando mais espaço em áreas antes notoriamente masculinas.

A mulher comum faz seus próprios reparos. Ela é curiosa o suficiente para investigar cada pequeno ruído em seu carro e remediá-lo.” Essa frase, aparentemente atual, foi dita em 1920 pela canadense Florence Lawrence, que, além de artista de cinema, foi a inventora de dois itens de segurança obrigatórios em nossos veículos, a luz de seta e a luz de freio. Antes dela, em 1902, Mary Anderson, empresária da construção civil e fazendeira, patenteou o limpador de para-brisas – um ato quase visionário, pois os ditos-cujos, removíveis e tidos como acessórios, só se tornaram populares um bom tempo depois.

Passados mais de cem anos, o que se poderia esperar era que as mulheres estivessem em pé de igualdade com os homens nessa área. Existem avanços, é verdade. Da indústria automobilística à reparação, as mulheres vêm ocupando todos os espaços. Dominam com maestria o “tecnês” necessário para as vendas no balcão ou on-line, impressionam com suas habilidades e conhecimento nas oficinas e humanizam a gestão, o que contribui para um ambiente de trabalho mais saudável. Na contramão, o preconceito ainda se faz presente, a exemplo de outras áreas. A pesquisa International Women’s Day, realizada pela Ipsos (empresa de pesquisa e de inteligência de mercado) entre dezembro de 2022 e janeiro de 2023, apontou que dois em cada dez brasileiros presenciaram episódios de discriminação contra mulheres no ambiente de trabalho no último ano. E, de acordo com o estudo, realizado em 32 países, o dado do Brasil (23%) é maior do que a média global (20%). A pesquisa foi realizada e contou com a participação de mais de 22 mil entrevistados, que responderam a um questionário on- -line. Do total, aproximadamente mil eram brasileiros.

Muitos ainda resistem em entregar o veículo aos cuidados de uma mecânica mulher ou dona de oficina, observa a consultora de negócios do Serviço Brasileiro de Apoio às Micros e Pequenas Empresas de São Paulo (Sebrae-SP) Roberta Sodré, e o preconceito cresce proporcionalmente à idade do cliente. Por outro lado, se a primeira barreira, a do estranhamento, é transposta, a fidelização é praticamente garantida, principalmente porque, na percepção de Roberta, com mulheres trabalhando na oficina, seja na área técnica , na área de gestão ou financeira, os resultados são melhores. Sua suposição se comprovou com o Projeto Mulheres na Reparação Automotiva, desenvolvido por ela no próprio Sebrae-SP e que reuniu 30 mulheres donas de oficinas mecânicas para melhorara  gestão da empresa e fortalecer o empreendedorismo feminino no ramo de atuação.

FALTA POUCO

Trabalhar no varejo de autopeças não estava nos planos de Leane Eveli Silva Alves. Mas, ainda no Ensino Médio, cobriu férias de uma colega vendedora e gostou tanto que, quando já formada em Administração de Empresas, foi convidada para trabalhar na mesma empresa, a Barateiro AutoPeças (Feira de Santana, BA), nem titubeou.

O começo- há 15 anos – não foi fácil. Embora conhecesse marcas e modelos de veículos leves, os nomes das peças eram grego – pior ainda quando os clientes buscavam componentes para caminhões. E havia, claro, rejeição do público, além da sua própria insegurança de errar no pedido. Em seis meses, porém, a jovem já estava craque e, para se diferenciar dos colegas de balcão, se especializou no segmento de lançamentos, com o qual tinha mais familiaridade.

Fidelizou sua carteira de clientes e conta que hoje, mesmo ocupando o posto de gerente de vendas, ainda atende diretamente pelo menos 30% deles. “A mulher está dominando o mercado cada vez mais, e acho que falta pouco para a sociedade nos deixar mais à vontade para trabalhar”, finaliza.

Não é força, é jeito

Outro argumento que balizava o preconceito contra mulheres em oficinas rolou ladeira abaixo: a suposta falta de força física (o que, na verdade, não é bem assim). Hoje em dia, já se tem a percepção de que o uso da força na execução de reparos é sinônimo de falta de habilidade e de conhecimento por parte do mecânico. As fixações de partes mecânicas são feitas por normas que exigem precisão e delicadeza na hora de soltar ou apertar uma rosca, por exemplo. As partes eletrônicas são fixadas por conectores que exigem cuidado, e não força. E, para dispositivos que ainda demandam muque, o mercado de ferramentas oferece uma gama de produtos que compensam essa exigência, desde macacos elétricos até parafusadeiras de precisão. A tecnologia, grande aliada de profissionais de ambos os sexos, existe para facilitar as coisas.

Mas, na percepção de Roberta, as mulheres a utilizam com mais propriedade, e o motivo é simples: elas, historicamente, estudam mais que os homens, o que reflete nos resultados na ponta, são mais atentas aos aspectos gerenciais e organizacionais e possuem uma índole empreendedora mesmo em situações que as colocam em uma zona de conforto.

“Muitas mulheres têm verdadeira paixão pela área técnica e não se curvam ao desafio de lidar com uma frota de veículos com média de 17 anos e uma enorme variedade de marcas e modelos”, destaca a consultora. “Além do mais, oficinas mecânicas são uma ótima oportunidade de negócio, por que não para elas?”

Como oportunidade de negócio, aliás, há várias questões a ponderar: como em outras áreas, na automotiva sempre tem alguém querendo levar vantagem ou se aproveitar do cliente que não tem familiaridade com o assunto. Existe um aspecto que também remonta ao imaginário do tempo de escola e que permanece durante toda a vida: as mulheres são mais confiáveis que os homens no desempenho de suas tarefas. E em um momento em que as proprietárias de veículos passam a frequentar as oficinas e lojas de autopeças, se sentem mais seguras e confiantes quando são atendidas por mulheres.

Quem não se lembra do estereótipo personificado pela campanha publicitária na qual um mecânico tenta ludibriar uma cliente afirmando que o problema era a “rebimboca da parafuseta”? A tal peça fictícia se tornou o símbolo do profissional que subestima a cliente – e, principalmente, seu conhecimento técnico a respeito de veículos –, e que, portanto, qualquer diagnóstico será aceito. Isso desaparece quando quem faz o atendimento e a execução do serviço é uma profissional ¬– principalmente quando a cliente também é mulher.

SAIBA MAIS

ROBERTA SODRÉ – SEBRAE-SP 0800 570 0800

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