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Rumo à simplificação fiscal

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Conheça os principais pontos da reforma tributária, que prevê unificação de impostos e menos burocracia.

A tão sonhada reforma tributária está prestes a virar realidade. Após 30 anos, a Câmara dos Deputados aprovou a primeira fase do texto que irá regulamentar a nova tributação brasileira sobre o consumo. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC nº 45/2019) ainda segue para a aprovação no Senado Federal, que provavelmente irá incorporar alterações, mas a previsão é que seja votada em outubro e promulgada até o fim de 2023. Se o Senado mudar o texto de forma significativa, ele precisará ser votado na Câmara novamente. A decisão de rever o sistema de tributação nacional foi comemora- da por vários setores da economia; afinal, o país é considerado um dos mais burocráticos do mundo. Fato comprovado pelo estudo do Banco Mundial que classificou as empresas brasileiras como as que mais gastam horas para apurar, declarar e pagar impostos. Enquanto países da América Latina e Caribe consomem 300 horas por ano, o Brasil exige de cada empresário 1.501 horas em média. O número fica ainda mais assustador quando comparado ao tempo de 159 horas/ano gasto pelos membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Grande parte desse tempo deve-se à complexidade do sistema de tributação, que reúne impostos, prazos e legislações diferentes, além de várias obrigações acessórias, o que torna o trabalho de simplificação tributária ainda mais árduo. “Incorporar em uma única proposta as necessidades e os desejos de diferentes segmentos de mercado é um desafio gigantesco, ainda mais quando estamos falando de interesses vindos de 27 unidades federativas e 5.500 municípios”, constata Richard Domingos, diretor-executivo da Confirp Contabilidade. Por isso, o fato de já termos ao menos uma estrutura desenhada é algo a ser fortemente celebrado.

A proposta do governo federal tem como objetivo simplificar o sistema tributário, tornando-o mais acessível e compreensível para todos os contribuintes. Segundo o diretor, a nova medida incorpora uma série de objetivos louváveis e há tempos esperados pelos empresários. A começar pela principal mudança presente na proposta: a substituição de cinco tributos (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) pelo Imposto sobre Valor Agregado (IVA), de caráter duaI, composto de Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), gerenciada pela União, e do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), com gestão compartilhada por estados e municípios.

O novo tributo incidirá sobre todas as operações de bens e serviços e terá uma alíquota única. Seu valor ainda não foi definido, mas a expectativa é de que seja em torno de 25%. Alguns setores específicos poderão ter uma redução de até 60%, como medicamentos, educação, saúde, transporte coletivo de passageiros, produtos de higiene pessoal, produtos e insumos agropecuários, produções artísticas, entre outros.

Richard: “Difícil concentrar as necessidades de vários setores em uma única legislação”

Haverá ainda a criação de um terceiro tributo, o Imposto Seletivo (IS), em substituição ao Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), que incidirá apenas sobre bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, como cigarros e bebidas alcoólicas. A lista final dos itens dessa categoria será definida posteriormente por lei complementar, mas já tem gerado discussões acaloradas para a inclusão de produtos ultraprocessados, agrotóxicos e bebidas açucaradas.

Para as empresas, as mudanças podem trazer vantagens significativas. “Consigo ver dez pontos positivos nesse processo. O primeiro é a questão da não cumulatividade plena, ou seja, o imposto pago em cada etapa da cadeia pode ser compensa- do posteriormente. Por exemplo, se comprou matéria-prima, a empresa receberá crédito quando vender o produto”, explica Richard.

O segundo é a adoção de uma legislação única para todos os esta- dos, substituindo o caos que vigora atualmente com alíquotas diferentes para cada cidade do país. O terceiro é o cálculo da incidência por fora, que mostra exatamente quanto todos vão pagar. O quarto é a facilidade da alíquota única para estados e munícipios, e o quinto a alíquota zero para os produtos da cesta básica. Em sexto, está o imposto a ser calculado no destino; em sétimo, a não incidência sobre as exportações; em oitavo, a expectativa de simplificação tributária com a exclusão de algumas obrigações acessórias; em nono, a incidência de tributação sobre as importações; e, por fim, o alargamento da base tributária.

Problemas à vista

Apesar de bem-recebida, a reforma tributária possui vários pontos obscuros, como a indefinição do valor da alíquota dos impostos criados, a omissão dos produtos a serem incorporados na cesta básica, a falta de clareza em relação às obrigações acessórias e a inexistência de estudos práticos sobre o tema.

Gama: “As indefinições podem gerar vários processos jurídicos.”

“Essas indefinições têm gerado incertezas no mercado e muitas críticas. Alguns estudos feitos por associações de classe mostram o aumento do valor do imposto a ser pago em determinados segmentos de mercado, o que pode resultar em ações de lobistas prejudicando as características de transparência e de neutralidade da proposta”, critica Richard.

O especialista em direito tributário Clairton Kubassewski Gama também calcula que as empresas terão alguns problemas até a reforma estar definitivamente redigida e implantada, em especial durante o período de transição “Além de terem de conviver com os dois sistemas tributários ao mesmo tempo, o que irá acarretar aumento de custos e de trabalho, corremos o risco de ter vários processos jurídicos por conta das indefinições das propostas”, comenta.

Há ainda o risco de aumento de tributação em alguns setores do mercado, como o de serviços, que atualmente é taxado pelo lucro presumido, com impostos que giram em torno de 10%. No novo formato, esse percentual poderá chegar a 25%. De acordo com Gama, a nova proposta também afeta as micro e pequenas empresas inseridas no Simples Nacional, que, por estarem fora das novas regras, não irão gerar crédito, o que faz com que elas percam a competividade nas negociações. “Como alternativa, há a possibilidade dessas empresas optarem por recolher o IBS e o CBS fora do programa, permitindo que elas acumulem créditos tributários em algumas transações, mas acarretando complicações na administração do negócio na hora do pagamento dos impostos, algo que não existe atualmente com o imposto único”, observa Gama.

IPVA, IPTU e heranças

O texto-base da reforma também prevê alterações na cobrança do Imposto sobre Propriedades de Veículos Automotores (IPVA) e do Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU). No caso do IPTU, a reforma possibilita a atualização do valor venal por meio de decreto, corrigindo assim a valorização dos imóveis, o que pode aumentar o valor do tributo em relação ao cobrado atualmente. No caso do IPVA, a mudança inclui a cobrança do imposto também para veículos aéreos e aquáticos, como lanchas, iates e jatinhos, além de alíquotas diferentes por critérios ambientais, beneficiando os veículos elétricos e híbridos.

Para as heranças, haverá mu- danças no Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) com a instituição da progressividade, ou seja, heranças ou doações serão tributadas de acordo com o valor a ser transferido.

“O Sincopeças está alinhado com as
propostas de mundaças feitas pela
Fecomercio”, diz Heber Carvalho.

Período de transição

Mesmo que seja regulamentada até o fim do ano, a reforma tributária ainda está longe de ser oficialmente implantada, uma vez que a sua aplicação será feita de forma progressiva justamente para os estados e a União não perderem arrecadação. Ou seja, por cerca de 7 anos as empresas deverão conviver com dois sistemas ao mesmo tempo. Se os prazos de aprovação da nova legislação forem cumpridos, a transição começa em 2026 e será finalizada em 2033. O processo é simples, enquanto alguns impostos desaparecem, outros são introduzidos.

De acordo com Richard, os novos tributos começam a ser cobrados em 2026 com alíquotas simbólicas, sendo 0,9% para a CBS e 0,1% para o IBS. Já os impostos atuais irão desaparecer gradativamente. O Pro- grama de Integração Social (PIS) e a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) serão extintos em 2028. O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) será reduzido ano a ano entre 2029 e 2032. Simultaneamente, as alíquotas do IBS serão elevadas para manter o nível de arrecadação dos estados. Já o IPI passa a ter alíquota zero em 2027.

Propostas de mudanças

Algumas alterações presentes na PEC não foram vistas com bons olhos por vários segmentos de mercado, que já estão se articulando para solicitar mudanças no texto antes da votação no Senado. Para o presidente do Sincopeças, Heber Carvalho, “a proposta da reforma tributária é bem ampla e pode trazer ótimos benefícios. No entanto, precisa ser bem definida e elaborada.” Para ele, o varejo de autopeças sofre muito com a atual forma de tributação, demandando muitas horas e muito pessoal para a apuração. “Se conseguirmos implantar tributos adequados e práticos para a comercialização de nossos produtos, será muito positivo para o setor.”

O Sincopeças-SP está acompanhando e divulgando as propostas a todos os associados e ao mercado de reposição por meio de seus canais de comunicação. Também está alinhado com as propostas de mudança feitas pela Federação do Comércio (Fecomercio), em especial à atenção para o aumento de impostos para o setor de serviços e para as empresas contribuintes do Simples Nacional. “O debate é bem amplo, e as mudanças deverão ser benéficas para todos os setores. Os impostos são importantes para a governança e para a sociedade, porém, precisam ser justos e eficazes, divididos e aplicados nos momentos corretos, com ampla transparência para todos”, finaliza. Até a aprovação final da PEC, convêm a todas as empresas impactadas pela proposta acompanharem de perto as solicitações de mudanças e participarem dos debates da sociedade; afinal, as alterações nas políticas fiscais afetam diretamente as operações, os custos e a estrutura financeira das organizações. Ao se manterem atualizadas e proativas, as empresas têm a oportunidade de identificar vantagens competitivas, reavaliar suas estruturas de negócios e tomar decisões para aproveitar os incentivos fiscais recém-lançados.

SAIBA MAIS
RICHARD DOMINGOS (CONFIRP)
confirp.com.br
CLAIRTON KUBASSEWSKI GAMA
gamaadvogados.adv.br
HEBER CARVALHO (SINCOPEÇAS)
portaldaautopeca.com.br

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