A disciplina como rotina
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Escolhas diárias transformam empresas medianas em vencedoras. A criação de padrões de trabalho aumenta a produtividade, a inovação e a agilidade nas entregas.
Lionel Messi e Neymar têm muito em comum: são brilhantes em campo, capazes de fazer dribles e gols extraordinários e já fincaram seu nome na história do futebol mundial. Mas existe algo que os separa: enquanto Neymar se envolve em polêmicas fora de campo, seja
por ausência em treinamentos, seja por questões relacionadas à conduta, Messi é sinônimo de consistência, profissionalismo e comprometimento, características que se refletem em sua carreira estável e repleta de títulos. É a disciplina do argentino que faz toda a diferença, e fora das quatro linhas também.
Em seu livro “Empresas feitas para vencer”, o americano Jim Collins, consultor de gestão de empresas e eleito pela revista Forbes como uma das 100 maiores mentes vivas da área de negócios, afirma que ser fanático por disciplina é essencial para conseguir alcançar metas dentro de uma empresa, e de nada adianta um ótimo planejamento ou estabelecer objetivos coerentes se os colaboradores não levarem a sério e não trabalharem com verdadeiro afinco para pôr em prática o planejado. Mas como chegar a esse grau de excelência?
Liderança depende de disciplina.
Definir disciplina pode ser uma tarefa desafiadora, uma vez que essa virtude, competência ou habilidade varia conforme o padrão estabelecido em diferentes contextos culturais. O que é considerado disciplina em um lugar pode não ser o mesmo em outro. Nesse contexto, surge a questão crucial: a importância do padrão na construção e compreensão da disciplina. Um exemplo é a pontualidade em diferentes países. Se, por um lado, no México, ela pode ser entendida como chegar com meia hora de atraso, no Japão, espera-se que as pessoas cheguem, pelo menos, cinco minutos antes. Essa variação cultural ressalta a relatividade da disciplina, que está intrinsecamente ligada aos padrões estabelecidos em uma determinada sociedade. Segundo Edson Nagamachi, diretor- geral sênior para a América Latina da Consultoria Honsha, especializada na redução de custos pela eliminação de desperdícios, sem padrão torna-se difícil identificar se há ou não disciplina.
“Padrões claros estabelecem referências que permitem avaliar o comportamento em relação às expectativas. A ausência de padrões leva à falta de compreensão sobre o que é considerado disciplinado em um determinado contexto.” Outro aspecto relevante é o compromisso com o modelo estabelecido. Seja na vida pessoal, seja na vida profissional, a disciplina é construída quando há um comprometimento em seguir e manter os padrões definidos. Essa aderência cria uma base sólida para a disciplina, pois as pessoas têm uma referência clara do que é esperado delas. A disciplina, aliada ao padrão, desempenha um papel vital no desenvolvimento pessoal e profissional. Estabelecer metas e regras de desempenho cria uma estrutura para alcançar objetivos. O compromisso com esses padrões reflete não apenas a disciplina individual, mas também impacta positivamente a eficiência e a eficácia nas atividades diárias.
O próximo passo é criar uma rotina que leve à repetição até se tornar um hábito – isso é aderência, e, sem ela, não há disciplina que vingue. Nagamachi dá o exemplo de uma pessoa que está acima do peso, mas só busca ajuda para emagrecer quando enfarta e põe cinco pontes de safena. A busca por profissionais especializados, como educadores físicos e médicos, é apontada como o segundo passo. O indivíduo inicia a criação de uma estrutura para alcançar os seus objetivos, estabelecendo padrões de exercícios e alimentação.
O terceiro ponto é um desafio: ter a receita em mãos não é suficiente para baixar o ponteiro da balança – é preciso comprometimento para seguir as orientações. A aderência, nesse contexto, é essencial para garantir que os esforços produzam resultados tangíveis. A resolução de problemas emerge como o quarto passo: superar desconfortos físicos ou lesões decorrentes do novo estilo de vida. Se o indivíduo consegue fazer tudo isso, mantém a aderência e cria um hábito que o leva à disciplina.
Desacredite no sucesso alcançado
Para Collins, ser líder é a arte de garantir que as pessoas queiram fazer o que deve ser feito. E, “com exceção de algumas aberrações que já nascem líderes”, o americano afirma que a maioria das pessoas aprende a ser um. Para o consultor, o que diferencia o líder de uma grande empresa de um de uma empresa apenas boa é a humildade.
Desenvolver a humildade é um trabalho árduo e profundo de autoconhecimento, porque é inerente ao ser humano a competição, a inveja, o querer ser melhor que o outro, reflete Cely Ades, empreendedora, consultora e professora da Fundação Instituto de Administração (FIA/ SP). Para ela, a humildade pode ser apenas uma máscara, por exemplo, já que muitos se gabam da postura humanizada, da capacidade de escuta, mas se incomodam quando alguém dá uma ideia melhor que a sua. “Só percebo isso se me debruço nas experiências que me afetam; se entendo que se algo me incomodou, o problema é meu, e não do outro. A vaidade e o narcisismo empacam qualquer processo.”
A liderança inspiradora, baseada na influência positiva, emerge como o caminho para construir credibilidade e alcançar o verdadeiro engajamento da equipe. Já aqueles que, por arrogância e orgulho, agem como donos da verdade, põem tudo a perder – inclusive suas próprias carreiras. A figura do líder vai além da gerência do cumprimento de tarefas e metas – é alguém capaz de inspirar não apenas com palavras, mas com ações concretas, trazendo propósito, visão e missão, além de estabelecer senso de urgência e criar padrões claros.
Mas, em muitas organizações, a presença de líderes autocráticos tem se tornado um desafio para a inovação e o desenvolvimento colaborativo. Quando o chefe tem uma preferência clara por suas próprias ideias, os funcionários hesitam em compartilhar suas sugestões, criando um ambiente no qual a inovação morre antes mesmo de surgir. A competitividade interna nas empresas também é um fator complicador, já que muitas vezes está atrelada à apresentação de sugestões. Essa dinâmica pode levar a uma competição prejudicial, com um boicote sutil e potencialmente malévolo. O líder, mesmo ouvindo as ideias – talvez melhores que as suas – muitas vezes as ignora ou desconsidera, criando um ambiente de desconfiança e desmotivação entre os membros da equipe. Esses profissionais, mesmo com ideias brilhantes, podem minar o potencial criativo da equipe se não cultivarem um ambiente que valorize e incentive a contribuição de todos. O desafio está em equilibrar a liderança forte com a humildade e a abertura, criando uma cultura organizacional que promova o florescimento de ideias diversas.
Poder da mente
No universo complexo da liderança, um aspecto muitas vezes negligenciado é a importância da disciplina mental. Para ser um líder eficaz, a jornada começa internamente, na habilidade de direcionar os próprios pensamentos. É nesse contexto que surge a necessidade de liderar a si mesmo antes de liderar os outros. Cely relata que, antes de se tornar uma pessoa disciplinada, enfrentava desafios devido à sua hiperatividade mental. “Aqui, reside a liderança primordial: aquietar a mente, semear o silêncio e retomar o controle sobre os próprios pensamentos. Ao compreender as causas de minha indisciplina, percebi que a liberdade aparente de agir sem restrições gerava angústia, revelando uma rebeldia contra a ordem da vida”, admite Cely.
A disciplina, longe de ser uma imposição rígida, tornou-se uma aliada na busca pela felicidade e trouxe à tona a compreensão de que, ao estar no controle e organizar a vida de acordo com os objetivos pessoais, surge a sensação de realização e contentamento. “Ao liderar a mim mesma, fortaleço minhas capacidades de liderança externa e contribuo para um ambiente mais colaborativo e harmonioso”, reflete a especialista.
Disciplina x criatividade
A relação entre disciplina e criatividade é essencial para o sucesso das organizações. Enquanto a disciplina proporciona estrutura e padrões, a criatividade impulsiona a melhoria contínua e a inovação.
Integrando esses elementos, as empresas podem evoluir sem perder a consistência e evitam tornarem-se obsoletas ao longo do tempo. O gol está em seguir padrões estabelecidos e buscar constantemente maneiras de aprimorá-los. Esse equilíbrio, quando bem gerenciado, resulta em organizações mais eficientes, inovadoras e adaptáveis.
Um exemplo é a filosofia de melhoria contínua adotada pela Toyota, que mescla criatividade e disciplina.
A empresa japonesa busca aprimorar seus processos de forma contínua, mas sempre alinhada a padrões bem estabelecidos -– a máxima “toda vez que você melhora, se não padronizar, o negócio volta pra trás” resume a essência dessa abordagem. Segundo Nagamachi, ao buscar inovação, a Toyota compreende que a padronização é fundamental para garantir que os avanços sejam mantidos ao longo do tempo. A dicotomia se manifesta na necessidade de equilibrar a liberdade criativa com a rigidez dos padrões operacionais. Contrariando a ideia de que a criatividade pode ser totalmente livre, os profissionais da montadora enfatizam que ela depende também da disciplina. A criatividade não é desenfreada, mas direcionada para melhorar padrões existentes. Essa abordagem estruturada evita a aleatoriedade, canalizando a energia criativa para aprimorar processos.
Um exemplo prático dessa metodologia é a criação e o aprimoramento de instruções de trabalho. Mesmo que a primeira versão seja primária, os colaboradores são encorajados a documentar o processo. Essa etapa, chamada de “como ela é”, permite identificar primitivismos e ineficiências no método de trabalho. A seguir, o colaborador é estimulado a sugerir melhorias. Operadores, frequentemente os mais conscientes das dificuldades diárias, são convidados a expor problemas e fornecer ideias para aperfeiçoar suas tarefas.
Após a implementação das melhorias sugeridas, a etapa seguinte é a padronização. O novo método é documentado e congelado, impedindo retrocessos. Essa sistemática cria uma cultura de melhoria contínua, em que cada ganho é consolidado e cada padrão aprimorado. Essa abordagem não apenas evita a estagnação, mas também promove um ambiente no qual a criatividade é valorizada e direcionada para resultados mensuráveis e sustentáveis.
Outro exemplo perfeito da intersecção entre disciplina e criatividade são as escolas de samba. Ao longo de quase um ano, elas dão asas à imaginação para criar o samba-enredo, escolher os principais destaques, confeccionar as fantasias, etc. Desde os ensaios, fica claro que ali não cabe individualismo: todos estão em busca do mesmo objetivo, um desfile arrebatador que garanta o título de campeã do Carnaval.
As normas, rígidas, têm de ser seguidas ao pé da letra. Aliás, o que não faltam são regulamentos, a começar para o concurso de seleção do samba-enredo. Quem vai desfilar só pode ter um determinado número de faltas nos ensaios, e se estourar cai fora – a lista de determinações é longa e ainda existe o manual que regulamenta cada passo das escolas na avenida. Descrevendo assim, parece difícil imaginar que, na hora H, aquela turma toda vai se sentir soltinha para batucar, dançar, rodopiar e deixar a plateia de queixo caído. Pois, acredite, a mágica acontece justamente por conta dessa disciplina e de pessoaschave com funções burocráticas, que garantem que os foliões se desfilem no espaço e tempo previstos.
SAIBA MAIS
CELY ADES – FUNDAÇÃO INSTITUTO DE ADMINISTRAÇÃO (FIA)
(11) 98142-1133
EDSON NAGAMACHI – DIRETOR GERAL SÊNIOR – HONSHA AMÉRICA LATINA
(11) 97130-4522